Caminhando pelos campos ondulados, Manuel Macla mostra as
touceiras de um capim fibroso que, a cada primavera, rebrota com
mais força. Cada planta relança ao solo mais de 10 mil sementes e,
assim, domina outros ambientes, fixa-se com sua raíz ramificada e
profunda, inibe a pastagem natural e prolifera pelos campos do Rio
Grande do Sul como uma calamidade. 'Tento controlar, mas tem nascido
mais do que antes. Eu me entreguei. Tenho que aprender a conviver
com ele', conforma-se seu Manuel, proprietário da fazenda
Campo da Jararaca, uma área de 120 hectares no interior de Camaquã,
a 128 quilômetros ao sul de Porto Alegre. A praga dos campos do sul
é conhecida por capim annoni (Eragrostis plana nees), é
originária do sudoeste africano e toma conta dos campos do
estado.
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Manuel Macla, de Camaquã: tentativas de
combate se mostraram ineficazes contra o capim que relança ao
solo mais de 10 mil sementes |
É um avanço de proporções incontroláveis. O engenheiro agrônomo
José Carlos Leite Reis, da Embrapa Clima Temperado, de Bagé, fez um
levantamento em todo o estado nos anos de 1995 e 1996. 'Percorremos
mais de 5 mil quilômetros na metade norte e sul do estado e
constatamos que em 87% dos locais havia o annoni, em manchas ou
mesmo pés isolados', revela Reis. As projeções desse avanço também
são alarmantes: em 1978, havia 20 mil hectares invadidos. Em 1998,
pulou para 400 mil hectares e, hoje, a estimativa é de que tenha
ultrapassado os 500 mil hectares. 'É um desastre ecológico que
ameaça toda a biodiversidade do campo', afirma Reis. 'O annoni é
alelopático, espalha um herbicida natural a partir de suas raízes
fasciculadas que inibe o crescimento de outras espécies. Também não
tem nicho ecológico, sobrevive em qualquer ambiente. Encontramos
plantas até mesmo em Cambará do Sul, a região mais fria do
estado.'
A praga, porém, já foi vista como solução mágica. As primeiras
sementes chegaram ao estado há 40 anos. Vieram misturadas a sementes
de capim de Rhodes da África do Sul importadas pela Secretaria da
Agricultura do Estado. Uma parte foi para a estação experimental de
Tupanciretã, entre a região central e o planalto médio. O restante
das sementes foi para a Estação Experimental de Uruguaiana, na
fronteira oeste. Hoje, o annoni está em todas as regiões,
concentrado especialmente na zona de criação de gado, na metade sul,
entre a depressão central e a campanha. O nome de batismo desse
capim deve-se a um produtor que acreditou no milagre da
multiplicação do pasto: Ernesto José Annoni, proprietário rural em
Sarandi, plantou o capim em suas terras, colheu e vendeu sementes em
exposições, entusiasmou-se com a fantástica capacidade de
proliferação e sobrevivência da planta. Depois, as pesquisas
revelaram o baixo poder nutricional e capacidade invasora. Em 1978,
foi proibida a comercialização de sementes. Annoni deu nome à praga
e assumiu, involuntariamente, boa parte da paternidade da
calamidade.
O desafio do controle desse capim tem consumido
pesquisas, trabalho e alguns resultados. Um deles é visível numa
área de pesquisa da Embrapa Pecuária Sul, de Bagé. Numa extensão de
50 hectares totalmente invadida pelo annoni, foi aplicado herbicida;
o solo, corrigido com calcário e adubação; e a terra preparada com
grade aradora, para mexer o menos possível com a estrutura do solo.
A soja foi plantada como cultura de verão e depois dessecada para a
introdução de aveia e azevém durante o inverno. Esse processo se
iniciou em 1996 e, a cada ano, foram se revezando plantios de
inverno e verão. Hoje, o campo é uma pastagem onde se encontram o
azevém, a festuca, o trevo branco e o cornichão. 'Nosso primeiro
passo foi inibir a proliferação de sementes. A gente sabe que estas
sementes ainda estão no solo, numa profundidade de aproximadamente
cinco centímetros, mas não têm condições de germinar' afirma o
agrônomo Sérgio Gonzaga, um dos responsáveis pelo manejo. A
estimativa é de que, com três anos de rotação de culturas, se possa
controlar o annoni. |