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MEIO AMBIENTE

Praga incontrolável

Capim annoni já invadiu 500 mil hectares dos campos do Rio Grande do Sul. Sem conseguir conter seu avanço, produtores se resignam à convivência

Texto Renato Dalto
Fotos Eduardo Tavares

Caminhando pelos campos ondulados, Manuel Macla mostra as touceiras de um capim fibroso que, a cada primavera, rebrota com mais força. Cada planta relança ao solo mais de 10 mil sementes e, assim, domina outros ambientes, fixa-se com sua raíz ramificada e profunda, inibe a pastagem natural e prolifera pelos campos do Rio Grande do Sul como uma calamidade. 'Tento controlar, mas tem nascido mais do que antes. Eu me entreguei. Tenho que aprender a conviver com ele', conforma-se seu Manuel, proprietário da fazenda Campo da Jararaca, uma área de 120 hectares no interior de Camaquã, a 128 quilômetros ao sul de Porto Alegre. A praga dos campos do sul é conhecida por capim annoni (Eragrostis plana nees), é originária do sudoeste africano e toma conta dos campos do estado.

Manuel Macla, de Camaquã: tentativas de combate se mostraram ineficazes contra o capim que relança ao solo mais de 10 mil sementes

É um avanço de proporções incontroláveis. O engenheiro agrônomo José Carlos Leite Reis, da Embrapa Clima Temperado, de Bagé, fez um levantamento em todo o estado nos anos de 1995 e 1996. 'Percorremos mais de 5 mil quilômetros na metade norte e sul do estado e constatamos que em 87% dos locais havia o annoni, em manchas ou mesmo pés isolados', revela Reis. As projeções desse avanço também são alarmantes: em 1978, havia 20 mil hectares invadidos. Em 1998, pulou para 400 mil hectares e, hoje, a estimativa é de que tenha ultrapassado os 500 mil hectares. 'É um desastre ecológico que ameaça toda a biodiversidade do campo', afirma Reis. 'O annoni é alelopático, espalha um herbicida natural a partir de suas raízes fasciculadas que inibe o crescimento de outras espécies. Também não tem nicho ecológico, sobrevive em qualquer ambiente. Encontramos plantas até mesmo em Cambará do Sul, a região mais fria do estado.'

A praga, porém, já foi vista como solução mágica. As primeiras sementes chegaram ao estado há 40 anos. Vieram misturadas a sementes de capim de Rhodes da África do Sul importadas pela Secretaria da Agricultura do Estado. Uma parte foi para a estação experimental de Tupanciretã, entre a região central e o planalto médio. O restante das sementes foi para a Estação Experimental de Uruguaiana, na fronteira oeste. Hoje, o annoni está em todas as regiões, concentrado especialmente na zona de criação de gado, na metade sul, entre a depressão central e a campanha. O nome de batismo desse capim deve-se a um produtor que acreditou no milagre da multiplicação do pasto: Ernesto José Annoni, proprietário rural em Sarandi, plantou o capim em suas terras, colheu e vendeu sementes em exposições, entusiasmou-se com a fantástica capacidade de proliferação e sobrevivência da planta. Depois, as pesquisas revelaram o baixo poder nutricional e capacidade invasora. Em 1978, foi proibida a comercialização de sementes. Annoni deu nome à praga e assumiu, involuntariamente, boa parte da paternidade da calamidade.

O desafio do controle desse capim tem consumido pesquisas, trabalho e alguns resultados. Um deles é visível numa área de pesquisa da Embrapa Pecuária Sul, de Bagé. Numa extensão de 50 hectares totalmente invadida pelo annoni, foi aplicado herbicida; o solo, corrigido com calcário e adubação; e a terra preparada com grade aradora, para mexer o menos possível com a estrutura do solo. A soja foi plantada como cultura de verão e depois dessecada para a introdução de aveia e azevém durante o inverno. Esse processo se iniciou em 1996 e, a cada ano, foram se revezando plantios de inverno e verão. Hoje, o campo é uma pastagem onde se encontram o azevém, a festuca, o trevo branco e o cornichão. 'Nosso primeiro passo foi inibir a proliferação de sementes. A gente sabe que estas sementes ainda estão no solo, numa profundidade de aproximadamente cinco centímetros, mas não têm condições de germinar' afirma o agrônomo Sérgio Gonzaga, um dos responsáveis pelo manejo. A estimativa é de que, com três anos de rotação de culturas, se possa controlar o annoni.



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Edição 223 - Mai/04


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