(Fernanda Odilla /Estado de
Minas)
Os
javalis tomaram conta da pequena Doresópolis, no
Centro-Oeste mineiro, a 280 quilômetros de Belo
Horizonte. O Ibama estima que pelo menos 500 animais,
completamente asselvajados, estejam vivendo nas matas da
região, acabando com plantações, incomodando criações e
deixando um rastro de prejuízo para os agricultores.
Há seis anos, um fazendeiro trouxe os porcos de
Goiás. Eles fugiram e, desde então, não pararam de se
multiplicar. Hoje, a média impressiona: um javali para
cada três moradores da cidade. Originários da Europa,
eles revelam a perigosa faceta das espécies exóticas
invasoras, a segunda maior ameaça ao meio ambiente em
todo o planeta. Perdem apenas para o desmatamento.
Por isso, os moradores de Doresópolis esperam
ansiosos pela temporada de caça, que pode ser
autorizada, excepcionalmente, pelo Ibama este ano, para
conter a superpopulação de javalis. O pedido já foi
feito e o instituto espera apenas pela decisão judicial
para permitir o abate dos animais.
“Como a
Justiça não autorizou, ainda não planejamos nada. Mas
podemos cadastrar caçadores, como também assumir o abate
em parceria com a Polícia Militar do Meio Ambiente”,
explica Daniel Vilela, chefe da Fauna Silvestre do
Ibama. Ele lembra que, no Rio Grande do Sul, já começou
a terceira temporada de caça ao javali, animal que pode
pesar mais de 200 quilos.
Em Doresópolis, os javalis
ainda não encontraram predadores à altura, apesar da
investida dos caçadores. Pelo contrário, eles se
transformaram nos mais temidos predadores de pastos e
matas. O fazendeiro João Alemar Pinto, de 56 anos, conta
que, além das plantações de milho, cana e arroz, os mais
famintos atacam bezerros e até pessoas. “A gente só vê o
estrago, porque eles só fuçam à noite. Há pouco tempo,
morderam um homem que andava com uma porca no mato”,
conta João, enquanto caminha pela plantação. O bando de
javalis já lhe deu um prejuízo de mais de R$ 1 mil ao
comer todo o seu recém-plantado milharal e um bezerro
que acabara de nascer.
Histórias de
caçador Os javalis selvagens também rodeiam
os chiqueiros, de olho nas porcas no cio. Em
Doresópolis, é difícil encontrar um chiqueiro com
animais puros. “Aqui é cheio de javaporco. Pelo menos, a
carne ficar muito melhor que a do porco comum”, observa
Francisco da Costa Neto, de 66, que tem no curral
misturas inacreditáveis. A moda está espalhando por toda
a região. Fazendeiros se orgulham em contar que
prenderam javalis e já exportam a nova espécie para
cidades próximas, como Iguatama, Piumhi, Capitólio e
Pains. Pesquisadores acreditam que esses cruzamentos,
sem um estudo profundo e regras bem definidas, podem
trazer danos irreversíveis ao meio ambiente.
“Para espécies exóticas invasoras não causarem
prejuízos é preciso um manejo adequado. Isso, em alguns
casos, pode significar caça ou queimada controlada”,
afirma o biólogo Ricardo Pinto Coelho, lamentando o fato
de muitas pessoas ainda encararem o meio ambiente como
algo que não pode ser tocado. É exatamemente o que pensa
José Messias de Castro, de 38, que não sabe ler nem
escrever, mas diz entender de natureza como ninguém. “Se
tem em excesso é porque nenhum bicho consegue comê-lo.
Então, o homem precisa entrar logo em ação”, diz,
referindo-se aos javalis que invadiram sua cidade.
José Messias, que ganhou o apelido Zé Borreira,
garante que já saiu mais de 120 vezes para caçar o
porco-do-mato, que é capaz de “matar um pit bull em
menos de 20 minutos, caminhar 50 quilômetros numa só
noite e comer um bezerro inteiro”. Munidos de facão e
revólver, os caçadores de Doresópolis garantem que só
matam javalis a pedido de donos de plantações destruídas
ou para saciar a fome com a deliciosa carne do mamífero.
“A gente solta os cachorros, que conseguem encontrar os
esconderijos dos javalis, mas nem sempre conseguem
encará-los. Então, o jeito é meter chumbo e colocá-los
para dentro da barriga”, confidencia um caçador.