10/09/03 -
Sílvia R. Ziller
Sílvia Ziller,
presidente do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação
Ambiental, é Engenheira Florestal com mestrado e doutorado em
conservação da natureza. Acredita que a conservação ambiental
depende do uso adequado dos recursos naturais para garantir a
permanência da vida na Terra. Tem experiência em pesquisa, análise e
restauração ambiental na região sul e na Amazônia. Trabalhou no
setor público, privado e hoje tem maior ação no terceiro setor.
Tornou-se fellow da Ashoka Empreendedores Sociais no início de 2002
com a proposta de trabalho do Instituto.
1. O que
são invasões biológicas? A partir de que momento uma espécie é
considerada de fato invasora?
Invasões biológicas
ocorrem quando uma espécie exótica animal ou vegetal, introduzida em
determinado ambiente, se adapta, se estabelece, passa a se propagar
e a dominar espécies nativas, expulsando-as e gerando conseqüente
perda de biodiversidade e alterações nos ciclos ecológicos naturais.
Nem todas espécies exóticas introduzidas a outros ambientes se
tornam invasoras. A problemática não está ligada ao número de
espécies invasoras presentes numa área, mas sim em seu nível de
agressividade e dominação das espécies nativas. Isto quer dizer que
uma única espécie pode causar estragos em grandes áreas.
Espécies exóticas
invasoras são consideradas atualmente, a segunda grande causa de
perda de biodiversidade biológica no planeta, perdendo apenas para a
conversão direta de ambientes pelo homem.
2. Quais as
conseqüências das invasões biológicas?
As conseqüências da
invasão por espécies exóticas dependem de cada situação. Alguns
impactos são mais comuns e generalizados, outros variam com as
condições de cada local.
De forma genérica,
pode-se afirmar que ocorre: · Ocupação do
espaço de espécies nativas, levando ao seu deslocamento, à perda de
populações ou espécies. · Modificação estrutural do
ambiente. · Perda de biodiversidade local ou regional. ·
Quebra de ciclos ecológicos naturais e da resiliência dos ambientes
naturais. · Deslocamento de exemplares da fauna, quebra de
processos ecológicos como cadeias alimentares e polinização. ·
Modificação da paisagem. Dentre outros impactos mais específicos,
que portanto variam com cada situação, pode-se citar: ·
Modificação no regime de incêndios naturais, em geral com destruição
de banco de sementes do solo e de áreas vizinhas, o que facilita a
expansão da invasão. O capim-gordura (Melinis minutiflora), originário
da África, é uma das espécies que gera este tipo de impacto. Apesar
disso, ainda é usado correntemente para estabilização de taludes ao
longo de rodovias, por falta de consideração de elementos
ambientais. · Eliminação de espécies nativas por alelopatia, como
é o caso de nim (Azadirachta
indica), atualmente promovida no nordeste do Brasil apesar de
seu histórico de invasão e prejuízos econômicos na África
Ocidental. · Transmissão de doenças a animais e seres humanos
(mosquito da dengue, febre aftosa, pneumonia asiática, doença da
vaca louca). · Conversão de ecossistemas abertos em ecossistemas
fechados, com impactos em características edáficas, insolação,
distribuição de biomassa, regime hídrico e paisagem (invasão de
espécies florestais sobre campos e cerrados). · Erosão, perda de
fertilidade e assoreamento de rios e córregos (invasão de espécies
que causam, por sombreamento, a expulsão de espécies nativas de
cobertura). · Quebra do balanço hídrico, em especial quando
ocorre modificação estrutural da vegetação de formação
herbáceo-arbustiva em formação arbórea. · Eliminação de hábitat e
alimento para fauna por perda de espécies nativas da flora, com
quebra de cadeias alimentares. · Extinção de populações e de
espécies. · Alterações na ciclagem de nutrientes por entrada de
materiais exóticos de difícil decomposição por microorganismos
nativos, como é o caso de acículas de Pinus. · Alterações na
produção e distribuição de biomassa, quando ocorre conversão de
ambientes em outro tipo de estrutura da vegetação. · Alterações
na distribuição de espécies por invasão e alteração das
características do meio. · Alterações na relação
polinizadores/plantas por eliminação de espécies ou introdução de
novas. · Perdas econômicas em atividades produtivas, desde
agricultura à produção pecuária, florestal, e de ecoturismo, por
perda de valores paisagísticos.
3. Qual o caso
mais grave de invasão por espécie exótica no
Brasil?
Não existe um caso mais
grave de invasão. Todos os casos são graves, pois trata-se de um
impacto ambiental abrangente que só se agrava ao longo do tempo e
que não é reversível sem interferência humana. Cada espécie e cada
invasão possuem características particulares e devem ser tratadas
com a devida particularidade.
A melhor maneira de
tratar invasões biológicas é não permitir novas introduções e
invasões por espécies que já têm histórico de invasão em algum lugar
do planeta, ou seja, colocar em prática o princípio da precaução que
rege a legislação ambiental no Brasil. Em segundo lugar, a maior
eficiência em combater invasões é a detecção precoce e erradicação
imediata. Não vale a pena esperar para ver se de fato vai ocorrer
invasão: quando a mesma é amplamente constatada, em geral é tarde
demais para reverter a situação.
4. Existem
casos de espécies nativas do Brasil que se tornaram invasoras em
outros países?
Sem dúvida. Por motivos
ornamentais e produtivos, diversas espécies brasileiras foram
translocadas a outros países e dentro do próprio Brasil, originando
processos de invasão. Entre espécies de plantas, araçá (Psidium cattleianum), aroeira
(Schinus terebinthifolius),
pitangueira (Eugenia
uniflora), jacarandá-mimoso (Jacaranda mimosaefolia), cavalinha
(Equisetum hyemale),
acácia-de-flores-vermelhas (Sesbania punicea). Entre espécies
de peixes o tucunaré, da bacia amazônica, foi introduzido à bacia do
Paraná no sul do país e tornou-se invasor, sendo um voraz predador
de espécies nativas. A translocação de espécies representa risco
ambiental elevado, seja onde for.
5. O Instituto
Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental vem se destacando
na abordagem de espécies exóticas invasoras. Como o trabalho se
tornou uma preocupação e quando teve início?
Trabalho a questão de
invasões biológicas desde 1997, havendo iniciado com uma visão de
diagnóstico ambiental para os campos gerais do Paraná. A preocupação
surgiu de experiências de trabalho, pois é difícil não enxergar o
que acontecerá com os campos se não houver a cessação da invasão de
Pinus, Eucalyptus, Brachiaria, capim-gordura, capim annoni e tantas
outras espécies. Depois, entendendo a necessidade de abordar também
outros grupos dado o pequeno número de profissionais dedicados ao
tema no país, passamos a expandir a visão e a atuação. Também
entendemos que dar início a um levantamento geral de invasões no
país é uma ferramenta importante de conscientização pública e de
profissionais cujas áreas de atuação se relacionam de alguma forma
com a questão ambiental.
O Instituto foi criado
em março de 2001, ano em que me tornei fellow da Ashoka
Empreendedores Sociais (www.ashoka.org.br), uma organização
internacional que tem como missão o desenvolvimento da profissão de
empreendedor social no planeta. Empreendedor social é uma pessoa com
perfil de provocar mudanças visando melhorias sociais, ambientais e
econômicas em seu meio; o objetivo é gerar ganho em qualidade de
vida num sentido mais amplo, que não isola questões sociais de
ambientais ou econômicas, e sim vê isso tudo integrado, fazendo
parte de um mesmo sistema. Também vê as falhas no sistema e passa a
se dedicar para suprir as lacunas que entende
fundamentais.
Hoje estou também
envolvida no desenvolvimento, no Brasil, da Iniciativa de Espécies
Exóticas Invasoras da The Nature Conservancy, implementada nos
Estados Unidos em 2001. Somos membros do Conselho do Programa Global
de Espécies Invasoras (GISP), criado a partir da Convenção sobre
Diversidade Biológica. É um privilégio poder contar com a rede da
TNC em todo o mundo para levar adiante a consciência sobre a questão
e obter apoio técnico e político para o trabalho.
6. Já existem
métodos de controle e/ou combate de espécies exóticas
invasoras?
Muitas das espécies
exóticas invasoras hoje estabelecidas ou em fomento no Brasil já
estão estabelecidas em outros países. Assim, estão disponíveis
métodos e técnicas específicas para controlar invasões de muitas
espécies. Não é preciso reinventar a roda. Esse processo é caro e
requer, em muitos casos, bastante especificidade para ser efetivo e
economicamente viável. São empregadas técnicas de controle mecânico,
químico e biológico, isolada ou conjuntamente, de acordo com cada
espécie e com cada situação.
Visando suprir essa
lacuna de conhecimento no país, o Instituto Hórus tem concentrado
esforços na elaboração de fichas técnicas de espécies invasoras
registradas em nossa crescente base de dados. Essas fichas contêm
informações sobre ecologia, fenologia, impactos, locais de invasão,
manejo e controle. O site do Instituto está em reestruturação para
abranger esses conteúdos e as fichas estarão disponíveis em breve
para consulta em http://www.institutohorus.org.br. Existem diversos
sites com muita informação sobre invasões, a maior parte em inglês,
e alguns links interessantes estão também disponíveis no site do
Instituto Hórus.
7. Existem
maneiras legais de se controlar a invasão por espécies exóticas? A
atuação do governo e satisfatória nesta questão?
A prevenção, controle e
erradicação de invasões é compromisso assumido pelo Brasil na
Convenção sobre Diversidade Biológica, está expressa na Política
Nacional de Biodiversidade e no Sistema Nacional de Unidades de
Conservação. A disseminação de espécies ou organismos que possam
causar dano a outras espécies, ecossistemas ou à produção é prevista
como crime ambiental na Lei de Crimes Ambientais, que assim
fundamenta as ações tomadas no sentido de mitigar o
problema.
Os prejuízos ambientais
causados por invasões biológicas só agora estão sendo objeto de
preocupação do Ministério do Meio Ambiente. Existem alguns casos de
proibição legal de introdução ou comercialização de espécies
exóticas, mas são muito poucos para garantir a proteção da nossa
biodiversidade.
8. O que está
faltando em termos de políticas ambientais e legislação sobre o tema
no Brasil?
Falta estancar
processos de fomento a espécies exóticas invasoras sem parâmetros
ambientais que garantam a proteção dos ecossistemas naturais, desde
o uso de espécies florestais até a criação de peixes e mamíferos. A
avestruz, introduzida no país para fins de criação, traz consigo
parasitas que fazem adoecer as emas, nativas que poderiam suprir a
mesma função.
Inúmeras espécies de
peixes nativos, cujos ciclos reprodutivos já foram pesquisados e
compreendidos, deixam de ser utilizados em prol da introdução de
peixes exóticos. Destes basta um casal para criar-se o potencial de
destruição de bacias inteiras, dado que são extremamente vorazes.
São inúmeros os exemplos que já povoam indevidamente as águas
brasileiras: carpa, tilápia, bagre africano. Não há segurança nos
criadouros e o escape de exemplares é fato comum em todo o mundo,
portanto não temos condições para receber esses animais sem perder
recursos preciosos e não deveríamos fazê-lo, quanto mais promover
seu uso através de políticas públicas.
O Brasil sequer tem
conhecimento técnico sistematizado sobre seus invasores. O Instituto
Hórus e a The Nature Conservancy iniciaram um levantamento nacional
de espécies invasoras que precisa contar com a colaboração de todos
que tenham algo a acrescentar, de simples observações de campo a
trabalhos de pesquisa científica. Solicitamos a todos que acessem o
site do Instituto para obter a planilha modelo para preenchimento de
dados e nos enviem as informações que puderem preencher. E, também,
que nos ajudem a divulgar a iniciativa para termos mais e mais
informações. Os resultados existentes serão veiculados pelo mesmo
site para acesso geral.
O Ministério do Meio
Ambiente está lançando agora um edital para a geração um informe
nacional sobre espécies invasoras que muito vai acrescentar ao
sistema de informações geográficas que estamos iniciando. Contamos
com a possibilidade de sistematizar as informações e
disponibilizá-las para acesso público.
Feito isso, teremos
base técnica para gerar uma Lista Oficial de Espécies Exóticas
Invasoras presentes no país. Uma Lista nos permitirá regulamentar o
uso de invasoras de valor comercial dentro de possibilidades de
controle, e estabelecer restrições à permanência das demais, assim
como programas de controle e erradicação específicos.
Em paralelo, é
fundamental que se ponha em prática o uso de espécies nativas e o
governo, em todas suas instâncias, precisa perceber e apoiar o
desenvolvimento desse mercado único e valioso. O fomento à produção
e ao uso de espécies nativas para fins de produção florestal,
aqüicultura, ornamentais e alimentares, entre tantos outros, tem
base técnico-científica para ser posto em prática e não cria riscos
econômicos, sociais e ambientais. Isso não quer dizer que não se
possa utilizar exóticas, mas quer dizer que não precisam ser a única
alternativa e que há riqueza a ser utilizada sem
impactos.
Para terminar, é
importante frisar que faltam processos educativos e de formação
profissional do público e da área técnica. O sucesso da prevenção,
do controle e da erradicação de invasões passa pela conscientização
e cooperação de todos. Começa no uso responsável de espécies de
importância econômica, passando pelo não cultivo de plantas ou
animais invasores consagrados, estancamento de novas introduções,
direcionamento de pesquisas sobre nativas, cessação de fomento
governamental ao uso e à pesquisa de invasoras sem medir
conseqüências ambientais, prevenção, controle e erradicação de
invasões estabelecidas.
Atenciosamente,
Sílvia R.
Ziller Eng. Florestal, M.Sc., Dr. Conservação da
Natureza Fellow da Ashoka Empreendedores Sociais Presidente do
Instituto Hórus Assistente Científica da The Nature
Conservancy
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