O Processo de
Degradação Ambiental Originado por Plantas Exóticas
Invasoras
por Sílvia Renate
Ziller, Eng. Florestal, M.Sc.
Tamanho é o potencial
de espécies exóticas de modificar sistemas naturais que as plantas
exóticas invasoras são atualmente consideradas a segunda maior
ameaça mundial à biodiversidade, perdendo apenas para a destruição
de hábitats pela exploração humana direta. O agravante dos processos
de invasão, comparados à maioria dos problemas ambientais, é que ao
invés de serem absorvidos com o tempo e terem seus impactos
amenizados, agravam-se à medida que as plantas exóticas invasoras
ocupam o espaço das nativas. As conseqüências principais são a perda
da biodiversidade e a modificação dos ciclos e características
naturais dos ecossistemas atingidos, a alteração fisionômica da
paisagem natural, com conseqüências econômicas vultosas.
Esse processo é
denominado de contaminação biológica e refere-se aos danos causados
por espécies que não fazem parte, naturalmente, de um dado
ecossistema, mas que se naturalizam, passam a se dispersar e
provocam mudanças em seu funcionamento, não permitindo sua
recuperação natural. Para tratar dessa questão a Organização das
Nações Unidas (ONU), através dos programas para alimentação e
agricultura (FAO) e meio ambiente (UNEP), além de outras
organizações internacionais, criou em 1997 o Programa Global de
Espécies Invasoras (GISP). Um plano de ação e diretrizes está sendo
montado com a colaboração dos países formadores da Organização das
Nações Unidas, inclusive o Brasil, sendo o tópico é bastante novo na
maior parte do mundo.
Dentre as estratégias
propostas por esse programa estão a definição de estratégias
nacionais e regionais, a capacitação para efetivo controle e
erradicação de espécies invasoras, a implementação em campo a partir
de pesquisa, a construção de sistemas de informação acessíveis de
forma generalizada e a cooperação com países que trabalhem a
questão. A conferência da ONU sobre biodiversidade realizada em
março em Montreal, no Canadá, teve como foco a contaminação 2
biológica e deu seqüência à elaboração e implementação do programa,
além de consolidar quinze princípios a serem seguidos para o
tratamento do problema.
Alguns exemplos
históricos de invação
As primeiras
translocações de espécies de uma região a outra do planeta tiveram a
intenção de suprir necessidades agrícolas, florestais e outras de
uso direto. Em épocas mais recentes, o propósito da introdução de
espécies voltou-se significativamente para o comércio de plantas
ornamentais. O número de espécies que se tornaram invasoras com o
passar do tempo é de quase a metade dos casos de introdução de
plantas ornamentais registrados no mundo. Charles Darwin foi um dos
primeiros a manifestar preocupação com o problema. Já na metade do
século XIX registrou a densa ocupação dos pampas na Argentina e no
Chile por Cynara cardunculus (cardo), planta arbustiva
espinhenta originária do Marrocos que, atingindo até 1,5 metros de
altura, impedia a passagem de cavalos e pessoas.
Em 1865, um visitante
solicitou proteção ao Parque Nacional de Yosemite, nos EUA, em
função da crescente ocupação por plantas daninhas oriundas da
Europa. A primeira praga oficial da África do Sul foi definida em
1860 e interpretada como sinal de deterioração dos campos naturais
por estar ocupando o espaço das plantas nativas. Na África do Sul,
estima-se que das 491 espécies exóticas, a metade tenha sido
introduzida para fins ornamentais, seguidas de uso para barreiras
(como quebra-ventos), cobertura, agricultura, forragem e produção
florestal. Quando as espécies são usadas para mais de um fim, maior
tende a ser a sua disseminação e maior, por conseqüência, seu
potencial de invasão.
Na Austrália, há
estimativas de que 65% das plantas naturalizadas no país nos últimos
25 anos tenham sido introduzidas para fins ornamentais. A Nova
Zelândia conta atualmente com cerca de 24 mil espécies introduzidas,
mais de 70% para fins ornamentais. Cerca de 240 espécies se tornaram
invasoras e calcula-se uma taxa de aumento de quatro novas espécies
invasoras por ano. O número de espécies exóticas naturalizadas no
país é hoje levemente superior ao de espécies nativas. Há previsão
de que cerca de 575.000 hectares de áreas naturais protegidas sofram
invasões biológicas nos próximos dez a quinze anos. 3 Nos Estados
Unidos, estima-se a introdução de mais de 4.600 espécies exóticas às
ilhas havaianas, 1.045 à Califórnia e 1.180 à Flórida.
Esses são os estados
mais atingidos justamente por apresentarem condições climáticas mais
amenas, que facilitam o estabelecimento de invasoras. Cerca de 31%
dos parques nacionais estadunidenses, que corresponde a 3,5 milhões
de hectares, encontram-se hoje invadidos por espécies exóticas. Os
custos de contenção do problema em todos esses países são
proporcionalmente exorbitantes.
Suscetibilidade
de ambientes à invasão
Alguns ambientes são
aparentemente mais suscetíveis à invasão do que outros. Algumas
hipóteses foram construídas a fim de explicar essas tendências: a)
quanto mais reduzida a diversidade natural, a riqueza e as formas de
vida de um ecossistema, mais suscetível ele é à invasão por
apresentar funções ecológicas que não estão supridas e que podem ser
preenchidas por espécies exóticas; b) as espécies exóticas estão
livres de competidores, predadores e parasitas, apresentando
vantagens competitivas com relação a espécies nativas; c) quanto
maior o grau de perturbação de um ecossistema natural, maior o
potencial de dispersão e estabelecimento de exóticas, especialmente
após a redução da diversidade natural pela extinção de espécies ou
exploração excessiva.
Embora não possa
funcionar de forma isolada, a última hipótese é essencial para a
compreensão dos processos de invasão biológica. Práticas erradas de
manuseio dos ecossistemas, como a remoção de áreas florestais,
queimadas anuais para preparo da terra, erosão e pressão excessiva
de pastoreio contribuem para a perda de diversidade natural e
fragilidade do meio a invasões. A fim de serem bem compreendidos, é
fundamental que esses processos sejam avaliados de um ponto de vista
abrangente, computando-se todas as variáveis que podem exercer algum
tipo de influência ambiental.
Características
de espécies invasoras
Ambientes abertos, como
campos e cerrados, tendem a ser mais facilmente invadidos por
espécies arbóreas do que áreas florestais. Há espécies que colonizam
4 áreas abertas, sendo chamadas pioneiras, e outras, tanto de porte
arbóreo como herbáceo e arbustivo, que preferencialmente colonizam
florestas já existentes. Ainda assim, não só alguns ambientes são
mais suscetíveis, como também as espécies
invasoras apresentam características que facilitam seu
estabelecimento. Inúmeros esforços vêm sendo realizados para definir
características comuns a espécies invasoras, visando antecipar
problemas futuros e estabelecer medidas de controle e restrição a
novas introduções.
Poucos são os
resultados concretos, pois as variáveis são muito numerosas, e
talvez o melhor indicador seja o fato da espécie já estar
estabelecida como invasora em algum lugar do planeta. Algumas
características relacionadas com o potencial de invasão das plantas
são a produção de sementes de pequeno tamanho em grande quantidade,
dispersão por ventos, maturação precoce, formação de banco de
sementes com grande longevidade no solo, reprodução por sementes e
por brotação, longos períodos de floração e frutificação,
crescimento rápido, pioneirismo e adaptação a áreas degradadas,
eficiência na dispersão de sementes e no sucesso reprodutivo e
produção de toxinas biológicas que impedem o crescimento de plantas
de outras espécies nas imediações, um fenômeno intitulado
alelopatia.
Contam também com a
ausência de inimigos naturais para facilitar a sua adaptação. As
espécies invasoras tendem a adaptar-se com maior facilidade a
ambientes climática e ambientalmente similares à sua região de
origem. Isso explica a rápida adaptação de seus ciclos de germinação
e ocupação em novos ambientes que sofrem perturbações naturais ou
induzidas.
Impactos
causados pela invação de espécies exóticas
Dada a escala em que se
encontram diversas áreas invadidas e a falta de políticas de
prevenção do problema quase em nível global, o impacto da
contaminação biológica está sendo equiparado e ligado ao processo de
mudanças climáticas e à ocupação do solo como um dos mais
importantes agentes de mudança global por causa antrópica. Além
disso, as mesmas espécies exóticas são invasoras de diversos países
e sua dominância tende a levar à homogeneização da flora mundial,
num lento processo de globalização ambiental. Em ilhas isoladas,
constituem a maior causa atual de degradação ambiental, por gerarem
a perda de diversidade em áreas de grande número de plantas
endêmicas (plantas que só ocorrem naquele 5 local).
Esse é um problema de
âmbito mundial que não pode ser tratado isoladamente, sem uma
estratégia comum, que está sendo proposta a partir das conferências
da Organização das Nações Unidas (ONU). Plantas exóticas invasoras
tendem a produzir alterações em propriedades ecológicas essenciais
como ciclagem de nutrientes e produtividade vegetal, cadeias
tróficas, estrutura, dominância, distribuição e funções de espécies
num dado ecossistema, distribuição de biomassa, densidade de
espécies, porte da vegetação, acúmulo de serrapilheira e de biomassa
(com isso aumentando o risco de incêndios), taxas de decomposição,
processos evolutivos e relações entre polinizadores e plantas.
Podem alterar o ciclo
hidrológico e o regime de incêndios, levando a uma seleção das
espécies existentes e, de modo geral, ao empobrecimento dos
ecossistemas. Há o risco de que produzam híbridos a partir de
espécies nativas, que podem ter ainda maior potencial invasor. Essas
alterações colocam em risco atividades econômicas ligadas ao uso de
recursos naturais em ambientes estabilizados, gerando mudanças na
matriz de produção pretendida e, em geral, impactos economicamente
negativos. Espécies invasoras de porte maior do que a vegetação
nativa produzem os maiores impactos, como no caso da invasão de
formações herbáceo-arbustivas por espécies arbóreas. Não só as
relações de dominância dessas comunidades são alteradas, mas também
a fisionomia da vegetação em função da entrada de novas formas de
vida. Como conseqüência principal tem-se a acelerada perda da
diversidade natural.
Ausência de
registros
Dentre as espécies de
árvores já consagradas como invasoras no Brasil estão Pinus
elliottii, Pinus taeda, Casuarina equisetifolia, muito comum no
litoral, Melia azedarach cinamomo, Tecoma stans amarelinho,
Hovenia dulcis uva-do-japão, Cassia mangium, Eriobothrya
japonica nêspera, Cotoneaster sp. e Ligustrum
japonicum alfeneiro, este usado largamente para fins
ornamentais. Entre as plantas menores, o gênero Bracchiaria,
de capins introduzidos para pastagens, é dos mais problemáticos. No
Rio Grande do Sul, Eragrostis spp. capim-anoni ameaça os
sistemas de produção de gado estabelecidos na região dos campos
naturais em função da perda 6 da cobertura vegetal nativa, composta
de uma grande diversidade de espécies de gramíneas, leguminosas e
outras famílias importantes do ponto de vista alimentar.
A gradativa perda em
freqüência e qualidade dessas espécies nativas leva à exaustão do
modelo de pecuária sustentável estabelecido ao longo dos três
últimos séculos, além da introdução de hábitos de lavração e uso de
herbicidas para controlar o avanço da invasora. Estima-se que, dos
15 milhões de hectares de campos naturais, 3 milhões estejam
sofrendo processo de invasão. O mesmo capim é encontrado nos campos
naturais dos estados de Santa Catarina e Paraná. O capim-gordura,
Mellinis minutiflora, assim como diversas espécies de
Brachiaria, ameaça a diversidade natural do cerrado no Parque
Nacional da Chapada dos Veadeiros, no planalto central, sendo
igualmente comum em muitas outras regiões.
Entre as plantas
ornamentais, estão amplamente estabelecidas Impatiens
walleriana maria-sem-vergonha e Hedychium coronarium
lírio-do-brejo, para citar algumas. Os países que têm melhor
documentado os processos de invasão são a África do Sul, a Nova
Zelândia, a Austrália e os Estados Unidos. Talvez seja simplesmente
pela capacidade de manter registros que se destaquem no mundo como
os maiores detentores de espécies invasoras. Certamente existem
problemas de mesma magnitude e gravidade em inúmeros outros países
que ainda não despertaram para a questão e que carecem tanto de
registros como de medidas de prevenção, controle e erradicação,
requerendo coleta e organização de dados para retratar a situação
atual e para estabelecer prognoses do futuro. Este é, sem dúvida, o
caso do Brasil, onde o capital verde é, provavelmente, o último
grande trunfo nacional.
Referências
BINGGELLI, P. The human
dimensions of invasive woody plants.
http://members.tripod.co.uk/WoodyPlant Ecology.
REJMÁNEK, M.;
RICHARDSON, D.M. What attributes make some plant species more
invasive? Ecology, v. 77, n. 6, p. 1655-1661, 1996.
RICHARDSON, D.M.;
HIGGINS, S.I. Pines as invaders in the southern hemisphere. In:
Richardson, D.M. (ed.) Ecology and biogeography of Pinus, Cambridge:
Cambridge University Press, 1998. p. 450-473.
ROSA, F.L.O.
Comunicação pessoal: invasão de capim-anoni no Rio Grande do Sul.
2001.
ZILLER, S.R. A Estepe
Gramíneo-Lenhosa no segundo planalto do Paraná: diagnóstico
ambiental com enfoque à contaminação biológica. Tese de doutorado.
Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2000. 268
p.
Fonte: Ciência
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