Invasões biológicas, uma
ameaça à biodiversidade
por Sílvia
Ziller
As invasões biológicas
ainda não constam dos currículos escolares do Brasil, embora já
constituam a segunda grande causa de perda de biodiversidade em todo
o mundo. Nos Estados Unidos, a área tomada pelas espécies exóticas
invasoras aumenta em cerca de 2 mil hectares por dia (cada hectare
equivale a uma quadra urbana de 100m x 100m). As invasões e seus
custos aumentam em progressão geométrica ao longo do tempo. Por
exemplo, uma árvore invasora isolada que produza em 5 anos 100 novas
plantas terá como descendência, em outros 5 anos, 100 x 100 novas
plantas, ou seja, 10.000 plantas; e assim sucessivamente.
As
espécies são chamadas de exóticas quando introduzidas em
ecossistemas do qual não fazem parte. Podem ser de plantas, de
animais ou de microorganismos. Muitas dessas espécies não conseguem
se adaptar e desaparecem. Outras se adaptam, se reproduzem e invadem
o ambiente, expulsando espécies nativas e alterando seu
funcionamento. Nesses casos, são denominadas espécies exóticas
invasoras. Muitas espécies invasoras passam desapercebidas, apesar
de estarem estabelecidas em nosso meio. A dificuldade é que em
muitos casos é necessário um certo conhecimento botânico para
identificá-las, o que se torna mais fácil quando destoam da paisagem
natural.
Um exemplo brasileiro
com impactos negativos tanto no meio quanto na capacidade de
produção é a invasão de capim-annoni (Eragrostis plana) no
Rio Grande do Sul. Originária da África do Sul, a espécie foi
introduzida em mistura com sementes de outra forrageira e então
selecionada e comercializada por um fazendeiro chamado Annoni. Anos
depois, percebeu-se que o gado não se alimentava da planta,
extremamente fibrosa, mas já era tarde demais para conter a invasão.
Em 1989, quando o Ministério da Agricultura proibiu o comércio da
espécie, já havia 30 mil hectares de campos naturais invadidos e
dominados. Atualmente, a unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa) de Pelotas-RS estima que já estão ocupados
mais de 500.000 hectares no estado, com elevados prejuízos para a
produção pecuária. O capim annoni já está em Santa Catarina e no
Paraná, onde é comum ao longo de rodovias e de estradas rurais. Sem
ações de controle, o aumento da invasão é apenas uma questão de
tempo.
Essa é outra
característica das invasões biológicas: ao contrário de grande parte
dos impactos ambientais, que são lentamente absorvidos pelo meio, as
invasões se agravam com o tempo e, na maior parte dos casos, o
processo só é reversível com interferência humana. Nos Estados
Unidos, estima-se em 137 bilhões de dólares anuais as despesas do
país com o controle dessas espécies nas áreas da agricultura, da
saúde e do ambiente.
Outros exemplos de
espécies em processo invasor no Brasil são cinamomo, do Paquistão;
uva-do-japão, da China e Japão; cedrinho, de Portugal; acácia-negra,
da Austrália; nêspera, do Japão; tojo, da Europa; eucalipto, da
Austrália; braquiária e capim-gordura, da África;
maria-sem-vergonha, da Ásia; lírio-do-brejo, da Ásia; pinus, da
América do Norte; amarelinho, do México; e leucena, da África, entre
muitas outras. Entre os animais, destacam-se o javali, que vem
causando prejuízos ao cultivo de arroz no Rio Grande do Sul; peixes
exóticos como a carpa, a tilápia e o bagre africano, que escapam ao
cultivo e depredam as populações de peixes nativos; o lagarto
Tupinambis, em Fernando de Noronha, que se alimenta dos ovos de aves
nativas; búfalos, cachorros e gatos asselvajados. Na área da saúde,
também não faltam exemplos de invasões biológicas: a febre aftosa, o
vírus ebóla, o vírus da Aids, a dengue, transmitida por um inseto de
origem egípcia, e a própria peste negra que assolou a Europa na
Idade Média.
Todos os exemplos acima
ilustram um mesmo problema, que tem conseqüências sociais,
ambientais e econômicas. É tarefa de cada um ajudar, não cultivando
nem transportando espécies consagradas como invasoras. O setor
produtivo tem o papel de implantar medidas de prevenção e controle e
de buscar alternativas de espécies não invasoras para produção,
preferencialmente nativas.
As espécies dos gêneros
Pinus e Eucalyptus são a base da produção florestal em
todo o mundo e apresentam elevada importância econômica. O plantio
comercial não constitui um problema em si, mas ainda carece de
manejo adequado para controle da dispersão de sementes e mudas. A
dispersão de plantas a partir dos núcleos de reflorestamento é que
constitui hoje um problema, não apenas nos campos do Sul do Brasil,
mas também na Argentina, África do Sul, Nova Zelândia, Austrália e
certamente em outros países para os quais ainda não há registros
oficiais. Esses núcleos de dispersão não estão, porém, limitados a
plantios comerciais. Existem inúmeros pequenos plantios de árvores
ao longo de estradas ou para fins ornamentais em fazendas que
contribuem em muito para o processo de invasão. Por isso, o
engajamento da sociedade na contenção das invasões biológicas é
crucial, para que não se cultivem espécies invasoras e para eliminar
as que se encontram estabelecidas.
A melhor garantia de
sucesso para conter uma invasão é a sua detecção precoce e a adoção
imediata de medidas de controle. Para tanto, é preciso investir em
conhecimento científico e no esclarecimento do público, pois a
tomada de responsabilidade de cada indivíduo, proprietário rural,
empresário ou amante de plantas ornamentais, é a chave para a
solução do
problema. |